Alô, alô navegantes, este relatório contém uma análise de uma base de dados sobre obras de arte e informações sobre suas vendas. Apenas adicionei mais uma coluna aos dados, colocando os movimentos artísticos dos quais cada obra pertencem, segundo a plataforma Wikiart. Pretendo aqui explorar informações da base e a partir disso conversar um pouquinho sobre artes plásticas, também irei falar de dois artistas que admiro muito: Picasso e Van Gogh. Afinal, falar de arte apenas nos enriquece e nos beneficia, como diria Argan: “Uma civilização sem arte estaria destituida da consciência da continuidade entre objeto e sujeito, da unidade fundamental do real”. Ou em outras palavras, fazer e pensar arte é Ser no mundo.
Quando falamos em arte pensamos em pessoas observando obras em museus, imaginamos a célebre Monalisa (risos), pinturas à guache nas aulas da escola, muita tinta e alegria. Mas a ideia de pensar a arte como um tempo cronológico, de colocar um marco inicial, essa História começou no Renascimento com Giorgio Vasari, que iniciou o processo de formar um compilado de obras e artistas principalmente desse período. Mais tarde, Diderot cria o que pensamos hoje em crítica de arte: na emição de opiniões e juízo de valor sobre obras que lhe são contemporâneas.
Hoje, a arte é complexa e muito abrangente devido ao surgimento de movimentos posteriores à Renascença. O papel da arte Moderna e Contemporânea é alavancar poéticas, é rasgar velhos limites e colocá-los sempre mais a frente, propondo assim, novas reflexões a respeito ‘do que é arte?’. Pouco depois da Revolução Russa de 1917, Maiakovsck - um poeta russo moderno - foi acusado de ser “incompreensível para as massas”. Sua resposta foi dizer que, ao invés de propor reflexões mais banais, que qualquer um sem a bagagem de linguagem dele poderia entender, ele desejava, pelo contrário, ‘que a massa’ ganhasse linguagem para ter reflexões como ele.
No gráfico acima podemos notar que o Pós-impressionismo é o estilo que mais aparece no banco de dados, seguido do Expressionismo Abstrato. Por hora, vamos falar um pouquinho do segundo movimento mais contundete no nosso dataset. Em termos de fase da história, o expressionismo abstrato está bem perto do nosso tempo, e como qualquer outro campo de estudo, quanto mais perto de nós, maior é a atenção que damos a uma ampla variedade de coisas. Mas… sem tanta euforia assim, vamos lá.
No expressionismo abstrato nós temos pela primeira vez a cidade de Nova York em evidência no mundo das artes, já que esse movimento originou-se lá e teve como influência o expressionismo alemão (sabe? aquela obra do grito? bem famosa), então, o abstrato tomou como influência a carga emocional do alemão, agregegando às expressões antifigurativas, dando as caras depois da segunda guerra. Temos artistas reconhecidíssimos nesse movimento: Jackson Pollock e Hans Hofmann, Rothko e Newmann na pintura de campo tonal.
A Primeira mais cara foi vendida por 140 milhões de dólares e é do Jackson Pollock (1912-1946), maior nome do Expressionismo abstrato - ele transformou o ato físico da aplicação da tinta. A tela ficava no chão e era enorme de maneira que o autor “entrava” na obra para produzí-la. Nas palavras dele: “Não tenho qualquer medo de fazer mudanças, de destruir a imagem, porque a pintura tem vida própria. A minha fonte é o inconsciente.”
De outro lado, no nosso gráfico top 5 pinturas mais caras do Expressionismo abstrato, temos essa pintura difícil do russo Mark Rothko (1903-1970), que faz parte do outro lado do movimento chamado pintura de campos de cor - Color Field Painting. Em vez de pinceladas bombásticas e da teatralidade na aplicação das tintas, o artista recorre aos planos de cores. O objetivo? representar a natureza sublime e a condição humana tal como eles (artistas) sentiam. A pintura é um foco para meditações do expectador e um véu diante do mistério, Rothko chegou a afirmar que as pessoas que choram em frente às suas pinturas estão tendo a mesma experiência religiosa que ele teve enquanto pintava.
Bom, agora pulando um pouquinho para o nossa análise mais geral, vamos dar uma espiadinha num gráfico que nos mostra a relação dos preços das obras e quanto ganharam com o ajuste do valor acrescido do dólar, percebemos que as obras sempre ganharam um valor, maior que o vendido originalmente, algumas poucas não tiveram nada de valor em acréscimo com o ajuste do dólar como observa-se na imagem abaixo.
No próximo gráfico temos uma seleção de obras vendidas por um valor maior que 140 milhões de dólares.
Percebemos que a tela que mais ultrapassa esse valor é a do impressionista Paul Cézanne (1839-1906), arrematada por quase 260 milhões de dólares (é muito dinheiro), a peça foi comprada em um leilão pela família real do Catar. Na realidade, essa obra é composta por mais quatro telas espalhadas em museus ao redor do mundo. Fato, é que a tal família fez um belo empreendimento, porque O Cézanne - o criador da tela - como bom capricorniano que era, trabalhou incansavelmente a vida inteira, fez da obra a sua vida e concebeu a pintura como pesquisa pura e desinteressada, como a do cientista e do filósofo. Em sua pintura nada é invenção, tudo é pesquisa. O artista escreveu numa carta em 1904 que é preciso tratar a natureza conforme o cilindro, a esfera, o cone, o conjunto posto em perspectiva. Inquestionavelmente influenciou o Cubismo - Movimento imperativo na obra do Picasso e que no nosso gráfico foi o segundo maior quadro vendido por um preço acima de 140 milhões de dólares: Le Revê.
A terceira obra do nosso gráfico é do pintor expressionista Francis Bacon (1909-1985), que faz parte do movimento figurativo, suas obras são de uma intensidade emocional exasperante: ele pretende habitar o limite dos sentimentos de dor, horror e e angústia. É certo que que suas pinturas são das mais fortes que a história da arte já viu, por isso seu nome ainda é lembrado. A obra é uma composição de três telas que foram vendidos separadamente, retratam o pintor Lucien Freud, neto do psicanalista Sigmund Freud.
Navegantes das artes, vamos adentrar agora em mares gigantes, na abordagem de um pintor vasto, exuberante e considerdo um gênio. Usado como referência quando alguém faz algo genial, como quando a gente é criança e faz um desenho na escola e nossos pais dizem “Nossa, mas é um Picasso!!!”. Claro que eles não estavam ligando se a gente entenderia essa comparação, porque nem conhecíamos o artista. Mas tudo isso para dizer que esse artista é visto como algo místico, único, inalcançável.
Mas vamos tentar enterder o fascínio do Picasso… No próximo gráfico, nós temos as cinco obras mais caras do gênio (risinhos), a obra mais “barata” é a Femme aux Bras Croisés de 1901-1902 e a primeira mais cara, arrematada por 155 milhões é a Le Rêve de 1932. A primeira mencionada é uma tela Pós-impressionista do período azul do Picasso - é, esse é um artista complexo, denso, de fases - então, essas fases do Picasso existem porque a cor mais do que um mero aspecto, indicava um estado de ânimo e emoções. Nesses anos, Picasso continuou experimentando com a figura, criando um universo próprio, perto de uma realidade entre próxima e sonhada.
Em sua etapa Azul a cor significa silêncio e tristeza, já no outro período, o Rosa temos a expressão mais do que a liberdade, a vontade de fugir do cotidiano. O termo Azul faz referência à gama cromática dominante nas telas dessa fase (1901-1904). As figuras alongadas inspiram-se nas de El-Greco, geralmente com posições isentas de mobilidade e como se quisessem estabelecer um diálogo privado com quem as observa.
Do outro lado, vinte anos depois temos um rompimento total, temos uma obra mais com a “cara” do Picasso, estamos falando da obra mais cara do gráfico (155 milhões) esse é o quadro do gênio que rompeu padrões pré-estabelecidos (ponto de fuga, volume, sombreamento, perspectiva), um trabalho extenso e contínuo, nas palavras do gênio: “A inspiração existe, mas é trabalhando que se encontra com ela.”
Esse artista é um representante célebre do Cubismo, o movimento se propunha representar o que nunca tinha sido representado na pintura: o tempo. Picasso teve o seguinte raciocínio: “eu vejo e represento um objeto, por exemplo uma caixa ou uma mesa; vejo-o e faço o seu retrato nas suas três dimensões a partir desse ponto de vista. Mas se girar a caixa nas mãos, ou caminhar ao redor da mesa, a cada passo mudo o ponto de vista e para representar o objeto desse ponto devo fazer uma nova perspectiva. Consequentemente, a realidade do objeto não se esgota nas três dimensões tradicionais, e é precisamente o deslocamento sucessivo do ângulo visual. Assim designou-se o tempo. Quarta ‘dimensão’. Os pintores cubistas tentaram exprimir essa realidade da quarta dimensão sobrepondo as imagens de um mesmo ponto de vista para projetar ao mesmo tempo o seu conjunto”. Essa é a grande questão da arte: a agregação de linguagem, a proposição de novas poéticas, rompimento com frentes e busca por novas construções artísticas. Com certeza, tudo isso fez do nosso Picasso um Gênio no seu campo.
Nas palavras do gênio: “A pintura não é feita para decorar apartamentos. É um instrumento de guerra para ataque e defesa contra o inimigo.” O inimigo é o homem que explora seus semelhantes por egoísmo e lucro. Ou seja, a arte mais ainda é fonte de luta para crítica do mundo, expondo e contrapondo valores de época estabelecidos. O quadro acima foi pintado com paixão e convicção, um ponto de referência para o Cubismo, e agregando valor à obra do Picasso, o que com certeza ajudou a influenciar os altos preços das obras desse artista.
Navegantes, adentramos agora em mares Pós-impressionistas. Mares agitados, densos, profundos, mares de Van Gogh. Nosso amado Vincent, nasceu num pequeno povoado holandês em 30 de março de 1853, ao que se sabe, teve uma infância caraterizada pelo apego à solidão e o recato, costumava se isolar nos jardins e bosques, prados e campos para contemplar a natureza, pela qual sentia um grande amor, assim como pelos animais, e reunia coleções de todos os tipos. A infância do pintor foi difícil e moldou uma personalidade taciturna, pouco sociável, e entregue a si mesmo - essa é uma parte interessante da vida do artista e bem difícil porque trata muito da relação com a sua família.
Tinha um irmão, Theo, que o sustentava financeiramente apesar de ser mais novo, ele também começou a pintar relativamente tarde, aos 27 anos de idade. Independente de uma certa maneira, partia como um gato selvagem ao campo, era um observador agudo, fascinado pelas flores raras, e essa relação estabelecida com a natureza desde a infância funda a sua arte. Apaixonado, para Van gogh a arte era “um destino pessoal no mais pleno sentido”, significando que o trabalho artístico era condenação e salvação mais do que propiamente um destino. Teve uma vida intensa e que até hoje não se sabe qual o diagnóstico do Van Gogh ,vendeu apenas um quadro em vida por 400 francos, morreu por uma infecção depois de ter dado um tiro no próprio peito em 1890.
Faltam palavras para expressar o van Gogh e o tamanho artístico que ele tinha e que foi reconhecido após sua morte…Sua arte não foi compreendida no seu tempo de vida pelas massas. Existe um episódio curioso em que o artista pinta um retrato do Dr. Felix Ray, que cuidou dele após um surto, a família do médico no entanto colocou a tela num galinheiro para tapar um buraco que ali havia por achar incompreesível a pintura. Centenas de anos depois disto, em uma cena da série de televião chamada Doctor Who, os personagens viajaram no tempo e conheceram o artista que viveu no século XIX, ao final o levam para conhecer o Museu de Orsay na França e é aí que a situação complica (no bom sentido): o nosso querido Vincent fica cara a cara com sua obra exposta nas salas do lugar, com dezenas de pessoas apreciando a arte. Depois disto, Van Gogh escuta de um homem a seguinte conclusão: “Para mim Van Gogh é o melhor pintor de todos, o mais popular de todos os tempos, o mais amado. Seu comando das cores, o mais magnífico. Ele transformou a dor de sua vida atormentada em beleza estática. É fácil representar a dor, mas usar sua paixão e dor para retratar o êxtase, a alegria e a magnificência de nosso mundo, ninguém além dele tinha feito isso…”. Para um pintor, que amava sua vocação, escutar tais palavras é inspirador e muito gratificante saber que aquilo que ele produziu tornou-se um legado para a humanidade, do mesmo modo que a ida à Lua, ou as inúmeras conquistas da história, para a humanidade é um orgulho saber que tivemos um Van Gogh na Terra fazendo aquilo que ele sabia fazer de melhor: pintar.
Temos acima um gráfico com as obras mais caras do Van Gogh, o artista fez muitos auto-retratos e retratou outras pressoas, além de ter pintado paisagens e outros temas. A primeira obra, um óleo sobre tela vendida originalmente por 82 milhões de dólares retrata Dr. Gachet, um médico homeopata, muito simpático à arte como forma de expressão e que foi recomendado por Camille Pissarro para acompanhar Van Gogh em Auvers.
Um quadro lindo, que ocupa o quarto lugar no nosso gráfico é uma paisagem. Depois de ter se apaixonado pelas oliveiras e os girassóis, a paisagem dos arredores de Saint-Paul-de-Mausole levou o pintor a uma série de telas dedicadas aos ciprestes.
Os girassóis, tema também abordado pelo artista em muitas variações é um hino à alegria de viver, simbolizado pelo Sol e pelo uso emblemático da cor.
Agora para terminar, finalizarei todas essas colocações com essa tela: A noite Estrelada, que não está no nosso banco de dados, mas é uma obra que não poderia deixar de comentar, porque é uma pintura sui generis. O artista tinha acabado de cortar sua própria orelha e se internado voluntariamente num asilo em Saint-Rémy para recuperação e foi através do seu quarto no asilo que pintou esse quadro que é uma captação do movimento da natureza, onde o movimento é retratado em espiral, quase que uma síntese cósmica de uma busca humana. Um ponto interesantíssimo sobre a tela é que foi analisada por cientistas, mostrando que através da arte podemos visualizar a turbulência dos fenômenos naturais, no universo e nos fluidos. É lindo, é lindo olhar e enterder que a vida em todas as áreas do seu conhecimento estão interligadas e que um pintor, usando telas e tintas pode abstrair uma lei universal e transmití-la a nós por meio da pintura.
Para mim esse relatório foi um prazer enorme em ser feito: admiro a arte e tudo que ela pode nos proporcionar. Abordar o tema artístico é muito relevante, agrega às pessoas linguagem, reflexões para pensar a vida, o significado e os signos de maneira interdisciplinar. A arte é ser livre, livre para pensar por si só, ter emancipação, porque ela é uma das formas de expressão da verdade e como diria o nosso Criolo: “Pois quem não vive em verdade, meu bem, flutua nas ilusões da mente de um louco qualquer” e afinal “Não tem como ser diferente. Arte é arte, dor é alegria presente, o homem é um animal que está sempre em conflito com a mente.”
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
JANSON, Horst Woldemar. A Nova História da Arte de Janson. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
LUCIE-SMITH, Edward. Os movimentos Artísticos a Partir de 1945. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MARQUÉS, Maria José Mas. Coleção gênios da arte: Picasso. Tradução: Mathias de Abreu Lima Filho. Barueri: Girassol, 2007.
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ZEVI, Bruno. Saber ver a Arquitetura. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
Link para algumas citações usadas na seção V: Vincent Van Gogh